Estruturas do Universo
Supernovas
Supernovas são violentas explosões de estrelas, gerando estruturas cósmicas chamadas de remanescentes de supernova (restos das explosões).
A imagem abaixo mostra a remanescente da mais antiga explosão em supernova já registrada. Ela foi documentada por astrônomos chineses, no ano de 185 d.C.
Apesar de muitas supernovas terem sido detectadas em galáxias vizinhas, tais explosões são eventos relativamente raros em nossa própria galáxia, sendo observados uma vez a cada século, em média.
A última ocorrência mais próxima de nós foi em 1680. Ela foi vista, na época, como uma estrela normal, mas causou uma discrepância com o catálogo de estrelas conhecidas. Isto foi resolvido por historiadores, 300 anos depois, quando a remanescente de supernova Cassiopeia A foi descoberta e sua idade foi estimada.
Antes de 1680, duas observações relativamente recentes foram registradas pelos grandes astrônomos Tycho Brahe e Johannes Kepler, respectivamente em 1572 e 1604.
Em 1987, houve uma explosão em supernova na Grande Nuvem de Magalhães, uma galáxia companheira da Via Láctea: a Supernova 1987 A, que é próxima o bastante para ser continuamente observada enquanto muda com o tempo. O evento proporcionou a chance de uma imensa expansão no entendimento do fenômeno.
Tipos de supernova
De acordo com a classificação adotada atualmente, há dois tipos de supernovas: as explosões de estrelas com muita massa e as de anãs brancas em sistemas binários (sistemas formados por duas estrelas).
Por mais estranho que pareça, elas são chamadas, respectivamente, de tipo II e tipo Ia. Em nosso artigo anterior, sobre as estrelas, vimos todo o processo que leva à explosão tipo II de uma estrela muito massiva, e também como o núcleo remanescente pode se tornar uma estrela de nêutrons ou um buraco negro.
Quanto à supernova tipo Ia, ela ocorre em um sistema binário, ou seja, um par de estrelas que orbitam uma em torno da outra, sendo que uma delas é uma anã branca, sendo esta última que explode.
Uma anã branca é o desfecho de uma estrela de até aproximadamente 8 massas solares. Ela fica com uma massa menor do que 1,4 vezes a do Sol e um tamanho mais ou menos igual ao da Terra.
Ainda é fortemente debatido o tipo de estrela companheira que seria mais determinante para produzir uma supernova Ia. Entretanto, a companhia de uma anã branca é, frequentemente, uma gigante vermelha.
Estando os dois astros suficientemente próximos entre si e a gigante vermelha sendo grande o bastante, material desta última flui em direção à anã branca, em um fenômeno chamado de acreção.
Eventualmente, a matéria oriunda da outra estrela faz com que a massa da anã branca se aproxime de 1,4 vezes a do Sol (um limiar chamado de Limite de Chandrasekhar). A densidade crítica característica é de 2 x 109 g/cm3. Então, a pressão central atinge o ponto em que o carbono e o oxigênio do núcleo começam a fundir-se descontroladamente.
Isto resulta em uma detonação termonuclear da estrela como um todo. Nada é poupado, exceto elementos deixados à margem da anã branca ou forjados na explosão em supernova. Entre os novos elementos está o níquel radioativo, que libera altas quantidades de energia, inclusive luz visível.
De modo geral, a evolução posterior dos dois tipos de supernova é similar.
A análise da luz proveniente de objetos celestes permite identificar a presença de elementos (átomos e substâncias) em sua constituição. A identificação é feita pela análise das linhas espectrais encontradas na decomposição dessa luz.
Não há necessidade, no momento, de nos aprofundarmos nesses conceitos, próprios da espectroscopia. É suficiente, para a compreensão deste artigo, saber que diferentes elementos emitem diferentes tipos de linhas espectrais.
Linhas espectrais do elemento hidrogênio são encontradas nas análise de supernovas do tipo II, mas não aparecem nas do tipo Ia. De fato, estrelas massivas têm atmosferas compostas, em sua maior parte, por hidrogênio.
Tradicionalmente, a classificação das supernovas baseou-se na presença ou não de hidrogênio. Entretanto, há casos de estrelas tão massivas que, quando a explosão chega a ocorrer, todo o hidrogênio de sua atmosfera já escapou para o espaço. Até hoje, ainda há quem considere essas ocorrências como supernovas do tipo Ib, embora elas sejam, na verdade, do tipo II.
A classificação atual (tipo II e tipo Ia) baseia-se em uma diferença concreta entre os modos como as explosões em supernova ocorrem, e não na detecção ou não de linhas espectrais de hidrogênio.
O estudo das supernovas é importantíssimo para o entendimento da origem de objetos da nossa e de outras galáxias. Elas aquecem o meio interestelar, aceleram raios cósmicos e distribuem elementos pesados pelo interior das galáxias. O cientista brasileiro Marcelo Gleiser escreveu, com muita propriedade, em artigo publicado na Folha de São Paulo (edição digital) de 08/04/2001:
"As supernovas irrigam o espaço à sua volta com os elementos químicos que darão origem a outros mundos."
Remanescentes de supernova
Conforme já vimos, os restos de uma explosão em supernova formam uma remanescente de supernova. Em textos científicos, é muito usada a nomenclatura SNR, sigla em inglês para supernova remnant.
Há três tipos de remanescentes, que se diferenciam pelo formato: em concha, tipo caranguejo e compostas.
Remanescentes em concha
À medida que a onda de choque proveniente da explosão propaga-se pelo espaço, ela esquenta e agita toda a matéria que encontra em seu caminho. Isto produz uma grande concha de matéria quente.
O que se vê, em uma remanescente dessa modalidade, é uma estrutura em anel, porque há mais gás quente em sua borda do que no meio. Exemplo: o Laço do Cisne.
Remanescentes tipo caranguejo
Também chamadas de nebulosas de vento de pulsar, parecem-se mais com bolhas do que com anéis.
Elas são preenchidas com elétrons de alta energia, lançados de um pulsar central. Tais partículas interagem com o campo magnético, em um processo chamado de radiação síncroton, e emitem raios X, luz visível e ondas de rádio. A mais famosa remanescente desse tipo é a Nebulosa do Caranguejo.
Quanto aos pulsares, eles são, simplificadamente, estrelas de nêutrons em rotação tal que pulsos luminosos são vistos periodicamente em uma determinada linha de visão. Para entender melhor, pense em um farol marítimo visto da praia. Falamos mais sobre os pulsares em nosso artigo sobre as estrelas de nêutrons.
Remanescentes compostas
As remanescentes compostas parecem conchas, caranguejos ou ambos, dependendo de como são observadas. Elas se subdividem em duas modalidades:
- Compostas termais: exibem estruturas em anel se observadas em ondas de rádio (radiação síncroton). Em raios X, exibem a forma de caranguejo e apresentam, diferentemente das remanescentes tipo caranguejo propriamente ditas, linhas espectrais que indicam a presença de gás quente.
- Compostas pleriônicas: apresentam o formato de caranguejo, tanto em raios X quanto em ondas de rádio, mas também formam conchas. Na faixa dos raios X, não são identificadas linhas espectrais em seu centro, mas elas aparecem em regiões próximas à concha.
Ciclo de vida de uma SNR
Basicamente, identificam-se três fases na evolução de uma remanescente de supernova:
Primeira fase
É uma etapa de expansão livre, com duração de algumas centenas de anos, em que a fronteira exterior é formada pela onda de choque em interação com o meio interestelar (ISM - interstellar medium). Caracteriza-se por temperaturas constantes dentro da SNR e velocidade constante de expansão do núcleo.
Segunda fase
Nesta etapa, conhecida como Sedov-Taylor ou fase adiabática, o material da SNR começa lentamente a desacelerar sua expansão, a uma taxa de 1/r(3/2) e esfriar a 1/r3 (r = raio da SNR).
É uma fase que dura entre 10.000 e 20.000 anos. A concha principal apresenta a instabilidade de Rayleigh-Taylor*, e o material ejetado mescla-se com os gases originados da onda de choque inicial. Esta mixagem também incrementa o campo magnético interno da SNR.
Terceira fase
Chamada de snow-plow ou fase irradiante, tem início depois que a concha esfria até aproximadamente 106 K. Os elétrons começam a recombinar-se com os átomos mais pesados (como o oxigênio) e, assim, a concha pode irradiar energia de forma mais eficiente.
Isto, por sua vez, faz com que ela esfrie mais rapidamente, provocando seu encolhimento e aumento de densidade. Quanto mais a concha esfria, mais átomos podem recombinar-se, criando um efeito "bola de neve".
Devido a tal efeito, a SNR rapidamente desenvolve mais uma fina concha e irradia a maior parte de sua energia sob a forma de luz ótica. Agora, a velocidade decresce a uma taxa de 1/r3.
A expansão para fora cessa, e a SNR começa a sofrer o colapso devido à sua própria gravidade. Em outras palavras, ela começa a desabar sobre si mesma. O processo dura algumas centenas de milhares de anos.
Posteriormente, após milhões de anos, a SNR será absorvida pelo meio interestelar. Isto por causa das já citadas instabilidades de Rayleigh-Taylor*, as quais fazem com que, aos poucos, o material da camada mais externa vá escapando.
*Instabilidade de Rayleigh-Taylor
É uma instabilidade (perturbação, vibração, flutuação) que ocorre quando existe uma interface entre dois fluidos de densidades diferentes, e o fluido mais leve empurra o mais pesado. Na última fase de uma SNR, esta instabilidade faz com que materiais mais exteriores sejam deslocados para o meio interestelar. Assim, a SNR vai se desmanchando.
Calculando a idade de uma SNR
Parece óbvio que, se a ocorrência de uma supernova foi registrada na história, então conhecemos a idade de sua remanescente. No entanto, algumas vezes os historiadores não têm certeza se o evento registrado foi uma supernova ou, mais especificamente, se corresponde à supernova que gerou uma determinada remanescente.
Uma maneira simples de supor a idade de uma SNR é medir a temperatura do gás quente, usando espectroscopia de raios X. Assim, é possível estimar a velocidade da onda de choque e, então, inferir a idade a partir desta velocidade. Isto funciona, porque a velocidade do choque reduz-se com o tempo, à medida que devora mais material e esfria.
É um método relativamente fácil, mas que não oferece muita acurácia, pois há processos complicados que podem esquentar ou esfriar o gás, independentemente da velocidade do choque.
Um caminho melhor, bem eficaz com as SNR's mais jovens, é medir a expansão ao longo do tempo e aplicar a seguinte equação:
r t = d
Onde:
- r = taxa de expansão
- t = tempo
- d = expansão
Por exemplo, se uma remanescente de supernova foi observada em algum momento 20 anos atrás e hoje, temos duas imagens. Comparando seus tamanhos e dividindo a diferença por 20 anos, temos como resultado a taxa pela qual a SNR está se expandindo.
Suponha que calculamos uma diferença correspondente a 5% de expansão, em relação ao tamanho inicial, no decorrer dos 20 anos. Então, temos que:
- d = 5%
- t = 20 anos
- r = ?
- r = 5 / 20 = 0,25 por ano
Contando desde o momento da explosão em supernova, a expansão da SNR foi de 100%. Logo, sua idade pode ser calculada da seguinte forma:
- Idade = 100 / (0.25 / ano) = 400 anos
O resultado indica que devemos supor que a remanescente tem menos do que 400 anos, já que é bastante provável que a taxa de expansão da SNR tenha decrescido desde então (é muito improvável que tenha aumentado).
Este método tem mais chances de precisão quando efetuado para rápidos movimentos, típicos da supernova remanescente, ou quando os resultados são coerentes com registros históricos.
Importância das SNR's
O gás que preenche o disco da Via Láctea é chamado de meio interestelar (ISM). Há regiões da galáxia em que o ISM colapsa em tufos (por exemplo, nos braços espirais). Os tufos que ultrapassam certa massa crítica (algo entre a massa de Júpiter e do Sol) desencadeiam fusão nuclear ao sofrerem o colapso gravitacional, formando estrelas. Então, a composição química do ISM torna-se a composição química da próxima geração de estrelas.
Tal composição química inclui material proveniente das remanescentes de supernova, incluindo novos elementos produzidos pelas explosões, fundamentais para a formação de sistemas planetários como o nosso Sistema Solar, com seus planetas rochosos, que de outra forma nunca existiriam.
Além de enriquecer as galáxias com elementos pesados, as SNR's liberam uma grande quantidade de energia no ISM (∼ 1028 megatons por supernova). À medida que a onda de choque move-se para o exterior, ela varre um volume enorme do ISM, basicamente impactando-o de duas formas:
- A onda esquenta o gás que atravessa, não apenas aumentando a temperatura global do ISM, mas também fazendo com que algumas partes da galáxia tornem-se mais quentes que as outras.
- A onda faz com que partículas do ISM ganhem energia. Elétrons, prótons e íons são acelerados a velocidades bem próximas à da luz, em um processo chamado de aceleração de Fermi. A maioria dos astrônomos acredita que esta seja, basicamente, a origem dos raios cósmicos presentes em nossa galáxia.
Em resumo, as SNR's impactam profundamente a ecologia da Via Láctea. Não fosse por elas, a Terra como conhecemos não existiria e, por consequência, nada de plantas, animais ou pessoas. Isto porque todos os elementos mais pesados que o ferro são produzidos por essas explosões.
Assim, as supernovas dispersam pelo meio interestelar os elementos criados tanto pelas estrelas quanto por elas próprias. Estes são os elementos que formam novas estrelas, planetas e tudo o que existe na Terra, inclusive nossos corpos.
É com base nisso que Carl Sagan proferiu sua célebre frase: "somos feitos de poeira das estrelas".
Tópicos avançados
Em nosso artigo sobre as estrelas, já falamos sobre o fim do ciclo de vida delas, inclusive como as muito massivas explodem em supernovas (do tipo II).
Neste caso, a energia das explosões é gerada pela força da gravidade. No caso das supernovas tipo Ia, a carga energética provêm da descontrolada fusão de carbono e oxigênio no núcleo de uma anã branca.
Agora, vamos detalhar um pouco da teoria por trás da explosão de estrelas massivas, notadamente no que diz respeito ao que acontece com o núcleo das mesmas.
Quando o núcleo da estrela é menos massivo que aproximadamente 5 massas solares, os nêutrons conseguem parar o colapso, gerando uma estrela de nêutrons, que eventualmente pode ser vista como um pulsar ou um sistema binário gerador de raios X.
De fato, as únicas coisas da natureza que podem deter um colapso gravitacional são os nêutrons, mas às vezes até eles falham, dependendo da massa do núcleo estelar.
Se o núcleo é mais massivo (Mnúcleo > ∼ 5 massas solares), nada no Universo conhecido é capaz de parar seu desabamento. Neste caso, ele desmorona completamente sobre si mesmo, criando um buraco negro, um objeto tão denso que nem a luz pode escapar de seu alcance gravitacional.
Para entender um pouco melhor este acontecimento, vamos fazer uma analogia com o que é necessário para que um foguete lançado da superfície da Terra consiga sair da atmosfera terrestre.
De acordo com a Teoria da Gravidade de Newton, a energia necessária para separar completamente dois corpos é dada por:
E = G M m / r
Se estamos lançando um foguete a partir de nossa superfície, então temos que M é a massa da Terra, m a massa do foguete e r o raio da Terra. G é a Constante Gravitacional. Quando o foguete é lançado com uma dada velocidade v, sua energia é:
E = 1/2 m v2
Para que o foguete escape do campo gravitacional terrestre, a energia precisa ter, no mínimo, o valor resultante da primeira equação. Assim, a determinação da velocidade necessária consiste em igualar as duas equações e resolver para v:
v = (2 G M / r)½
Este resultado é chamado de velocidade de escape. Para a Terra, seu valor é de 11 km/s (onze quilômetros por segundo). Isto significa que qualquer objeto, para escapar da atmosfera terrestre, precisa ser lançado com uma velocidade de, no mínimo, 11 km/s.
Agora, imagine o cenário acima com o núcleo da estrela no lugar da Terra. Considere o que aconteceria se, durante o colapso central, esse núcleo ficasse tão denso (raio tornando-se muito menor, porém com a mesma massa) que qualquer coisa teria que atingir uma velocidade maior que a da luz para poder escapar.
Isto ocorre sempre que a massa do núcleo é maior do que aproximadamente 5 massas solares, conforme já citamos, porque a velocidade de escape fica maior do que a velocidade da luz, que é de ∼ 300.000 km/s.
★ Edição: - atualizada em 15/04/2024.
★ Conteúdo parcialmente adaptado de:
NASA's Imagine the Universe