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Teoria do Big Bang


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Matéria e energia

Nos artigos anteriores, descrevemos a Teoria do Big Bang em termos gerais: seus fundamentos teóricos, bases experimentais, como ocorreu a expansão até o presente momento e como foi possível o surgimento dos grandes objetos cósmicos. Para um bom entendimento do que apresentaremos a seguir, é importante a leitura desses tópicos.

Se você já leu, recordemos: nas grandes escalas que podemos observar, o Universo aparenta ser praticamente uniforme, está continuamente se expandindo e as evidências mostram que ele foi muito mais quente e denso no passado.

Agora, vamos tentar responder algumas questões mais específicas sobre o Universo em que vivemos:


I. Geometria do Universo

Introduzindo um novo conceito: a densidade crítica, que está relacionada às possíveis configurações de formato do Universo, e que é dada por:

densidade crítica

Nesta equação, ρc representa a densidade crítica, Ho é a Constante de Hubble (taxa de expansão), π (pi) é o número 3,14159265... (com infinitas casas decimais) e G é a Constante Gravitacional Universal (constante newtoniana da gravitação).

Sobre G, por enquanto basta que tenhamos em mente que ela é constante em todo o Universo. Logo, a magnitude da densidade crítica depende apenas da Constante de Hubble, que representa a taxa de expansão. Muitos cientistas trabalham duro na tentativa de chegar a um consenso sobre o valor da Constante de Hubble.

A geometria do Universo depende da magnitude de sua densidade em relação à densidade crítica. Usamos a letra grega Ω (omega) na representação desta relação:

Ωo = ρm / ρc

Temos, então, três possibilidades:

  • Se a densidade da matéria contida no Universo (ρm) for igual à densidade crítica (ρc), então a relação será um número dividido por ele mesmo (o resultado é 1), ou seja:
ρm = ρc ⇒ Ωo = ρm / ρc = 1

Esta razão determinará o Universo plano, como uma folha de papel, e infinito em sua extensão.

  • Se a densidade universal for maior que a crítica, então o numerador da fração será maior que o denominador, e a divisão resultará em um valor maior que 1:
ρm > ρc ⇒ Ωo > 1

Nesta hipótese, o formato será fechado e positivamente curvado, como a superfície de uma esfera. Isto significa que os raios de luz, inicialmente paralelos, lentamente irão convergindo, eventualmente se cruzarão e finalmente poderão retornar a seus pontos de partida.

Este é um Universo finito em extensão, embora sem bordas...

  • Por fim, temos a possibilidade de que a densidade total seja menor do que a densidade crítica. O resultado é o oposto do anterior, ou seja, a relação será menor que 1:
ρm < ρc ⇒ Ωo< 1

Neste cenário, a geometria do espaço será aberta (infinita) e negativamente curvada, como a superfície de uma sela.

Geometria do Universo
Diferentes possibilidades para a curvatura do Universo.

Além de outras indicações, a versão mais simples da Teoria do Universo Inflacionário prevê um valor para a densidade do Universo muito próximo ao da densidade crítica, e isto reforça a hipótese mais aceita pela comunidade científica, a de que o Universo é mesmo plano e infinito.

É bem verdade que, tendo em vista a idade finita do Universo, podemos enxergar somente até uma determinada distância no espaço, em um volume que chamamos de Universo Observável. Logo, não é impossível que o Universo tenha um formato diferente, embora pareça ser plano dentro de nossos limites.

E não é descartável a possibilidade de outro formato. Considerando que o Universo tem idade finita, somente podemos enxergar até uma determinada distância, dentro do volume que chamamos de Universo Observável. Desta forma, ele pode parecer plano dentro de nossos limites, mas assumir outra geometria nas regiões além, cujas luzes ainda não nos alcançaram.


Universo observável

Representação artística do Universo Observável, mostrando nosso Sol no centro, seguido, de dentro para fora, dos planetas do Sistema Solar, o Cinturão de Belt, a Nuvem de Oort, Alfa do Centauro, o Braço de Perseus, a Via Láctea, Andrômeda, outras galáxias próximas, a Teia Cósmica, a CMB e o plasma invisível do Big Bang na borda. [Imagem: Unmismoobjetivo / CC BY-SA 3.0]



II. Matéria e energia

O Universo é feito de que? Quais são os tipos e qual a quantidade de matéria e energia que o preenchem?

II.1 Matéria bariônica

Sabemos que todos os objetos físicos que conhecemos (inclusive nossos corpos) são feitos de átomos, e estes, por sua vez, são formados por prótons, nêutrons e elétrons.

Os prótons e os nêutrons ficam unidos e confinados nos núcleos atômicos, em torno dos quais os elétrons descrevem órbitas. O que distingue os diferentes elementos químicos é a quantidade dessas partículas que eles contêm. O número de prótons é chamado de número atômico, representado pela letra Z.

O hidrogênio é o elemento mais leve de todos, pois tem apenas um próton no núcleo (número atômico: Z = 1) e um elétron na órbita. Ele não possui nenhum nêutron. O segundo mais leve é o hélio, com 2 prótons (Z = 2), dois nêutrons e 2 elétrons. O átomo de carbono, por sua vez, tem seis prótons, seis nêutrons e seis elétrons.

Átomos de elementos mais pesados, tais como ferro, chumbo e urânio, contêm quantidades maiores de prótons, nêutrons e elétrons.


átomo de hélio

O átomo de hélio possui 2 prótons e 2 nêutrons em seu núcleo, e 2 elétrons em órbita. (1Å = 105 fm = 10−15 m). [Imagem (adaptada): Yzmo / CC BY-SA 3.0]


Os cientistas chamam tudo o que é feito de prótons, nêutrons e elétrons de matéria bariônica (também chamada de matéria ordinária). Até algumas décadas atrás, eles acreditavam que a maior parte do Universo era composta por esse tipo de matéria.

Mas efeitos inesperados que foram detectados na dinâmica do Universo levaram os cientistas à conclusão de que, na verdade, existem "coisas" que nossos olhos não vêem (nem os de nossos telescópios), e elas correspondem a um volume bem maior do que o da matéria visível.


II.2 Matéria escura

Medindo os movimentos de estrelas e gases, os astrônomos podem "pesar" galáxias. Em nosso próprio Sistema Solar, podemos usar a velocidade da Terra ao redor do Sol, que é de 30 quilômetros por segundo, para determinar a massa solar.

Se nossa estrela tivesse uma massa quatro vezes maior, essa velocidade teria que ser em torno de 60 quilômetros por segundo, para que a Terra se mantivesse na órbita atual.

O Sol move-se em torno da Via Láctea a 225 quilômetros por segundo. Podemos usar essa velocidade (e a velocidade de outras estrelas) para determinar a massa de nossa galáxia.

Da mesma forma, a observação (ótica ou por radiotelescópios) de gases e estrelas em galáxias distantes permitem que os astrônomos determinem a distribuição de massa nesses sistemas.

Acontece que, fazendo tais medições, os cientistas descobriram que a massa das galáxias observadas (inclusive a nossa) é aproximadamente 10 vezes maior do que corresponderia à quantidade total encontrada de estrelas, gases e poeira.

Isto indica a existência de um tipo desconhecido de matéria, chamado de matéria escura, que exerce uma influência gravitacional sobre a matéria bariônica mas que não emite nem absorve nenhuma luz!

Outra demonstração desse fato veio da observação de lentes gravitacionais, que são distorções de imagens provocadas pelo desvio da luz ao passar por objetos supermassivos. O fenômeno foi previsto por Einstein, como consequência de sua Teoria da Relatividade Geral.


lentes gravitacionais
Lentes gravitacionais observadas pelo Telescópio Espacial Hubble.

Medindo as distorções nas imagens de galáxias mais distantes, causadas por aglomerados mais próximos, os astrônomos puderam determinar a massa dos aglomerados, a qual se mostra cinco vezes maior do que a massa de estrelas, gases e poeira visíveis nesses agrupamentos.

formação de lente gravitacional

Os raios de luz de uma distante galáxia, ao passar por um aglomerado mais próximo, são desviados em função da força gravitacional do aglomerado. Assim, um observador da Terra vê a galáxia com muito mais brilho e nitidez, devido ao efeito de lente gravitacional. [Imagem: NASA, ESA, Ann Feild (STScI), Frank Summers (STScI)]

Cálculos mais precisos sobre as quantidades de matéria ordinária e escura foram obtidos através dos resultados da missão WMAP, da NASA, que estudou a radiação cósmica de fundo em micro-ondas (CMB), no período de 2001 a 2012.

Tais resultados permitiram, pela primeira vez, a determinação precisa de parâmetros básicos da Teoria do Big Bang, inclusive das quantidades relativas dos tipos de matéria existentes no Universo, com uma acurácia maior do que um percentual mínimo da densidade absoluta.

Sem entrar em detalhes dos quais falaremos posteriormente, concluiu-se que apenas 4,6% da densidade total corresponde à matéria ordinária. Outros 24% são matéria escura. Mas... que estranho! Estão faltando 71,4%! É muita coisa, de longe a maior parte!

Bem, parece que existe uma outra "coisa" esquisita no Universo, ainda mais misteriosa, que exerce, inclusive, uma força da gravidade ao contrário: ela repele, ao invés de atrair. Os cientistas a batizaram de energia escura.


Tipos de matéria no Universo
Distribuição da densidade total do Universo.

Mais à frente discorreremos sobre esta bizarra energia escura. Primeiro, vamos analisar um pouco mais a matéria escura: o que ela é? Qual é a sua natureza? Ninguém sabe exatamente, mas algumas hipóteses vêm sendo debatidas:

Anãs marrons

Se a massa de uma estrela é menor do que um vigésimo da massa de nosso Sol, seu núcleo não é quente o bastante para queimar hidrogênio ou deutério. Desta forma, o seu brilho é apenas aquele provocado por sua contração gravitacional.

Esses obscuros objetos, intermediários entre estrelas e planetas, não são suficientemente luminosos para serem diretamente observados por nossos telescópios.

Anãs marrons e objetos similares são apelidados de MACHO's (MAssive Compact Halo Objects ou, em português: "objetos massivos de halos compactos") e são potencialmente detectáveis através de experiências com lentes gravitacionais.

Alguns cientistas acreditam que a matéria escura possa ser constituída predominantemente de MACHO's, que, por sua vez, são feitos de matéria bariônica, apesar de invisíveis devido à sua fraquíssima luminosidade. Neste caso, a quantidade de matéria bariônica, feita de átomos, seria significativamente maior do que a exibida no gráfico acima.

Buracos negros supermassivos

Alguns astrônomos especulam que a matéria escura pode ser composta por muitos buracos negros, os quais também são potencialmente detectáveis através de seus efeitos de lente.

Formas diferentes de matéria

Esta é, possivelmente, a hipótese mais plausível, segundo a qual a matéria escura é composta por uma ou mais espécies de partículas subatômicas que interagem muito fracamente com a matéria ordinária.

A Física de Partículas apresenta muitos candidados. Pesquisas a respeito são realizadas com aceleradores de partículas. Neles, são feitas experiências de colisões entre partículas, com a finalidade de se tentar produzir essa matéria desconhecida em laboratório.

Considerando que o Universo era muito denso e quente nos primeiros momentos após o Big Bang, ele próprio era um ótimo acelerador de partículas. Por isso, cosmólogos especulam que a matéria escura pode ter se originado de partículas produzidas imediatamente após o Big Bang.

Estas partículas hipotéticas, caso sejam reais, são muito diferentes da matéria ordinária. Elas são chamadas de WIMP′s (Weakly Interacting Massive Particles - em português: "partículas massivas de fraca interação") ou matéria não bariônica.


Organização Europeia de Pesquisas Nucleares

Acelerador de partículas

Aceleradores de partículas são usados na procura por novas formas de matéria. A Organização Europeia de Pesquisas Nucleares é a maior instituição do mundo em pesquisas na área da Física de Partículas. É chamada de CERN, devido à antiga denominação de Conseil Européen pour la Recherche Nucléaire (Conselho Europeu de Pesquisas Nucleares). Acima, a primeira foto mostra a localização da cadeia de aceleradores do CERN, em região da fronteira entre França e Suiça. A segunda exibe o interior do túnel. [Fotos: Maximilien Brice (CERN) / CERN Document Server ( CC-BY-SA-4.0)).]


II.3 Energia escura

As primeiras pistas da energia escura remontam aos anos 1980, quando astrônomos faziam observações para tentar entender a formação dos aglomerados de galáxias. Entretanto, os indícios obtidos ainda eram muito incertos.

Já na década de 1990, surgiram indicações mais fortes. Os cientistas pesquisavam o fenômeno das supernovas, que são explosões particularmente violentas de estrelas.

Os restos dessas explosões formam estruturas cósmicas chamadas de remanescentes de supernova. São exemplos o Laço do Cisne e a Nebulosa do Caranguejo.

O estudo sistemático das explosões e suas remanescentes tinha por objetivo traçar a história da expansão, em um período relativamente recente. Era de se esperar que a velocidade da expansão se reduzisse com o tempo, prevendo-se um momento em que o Universo começaria a se contrair, desabando sobre si mesmo devido à força gravitacional da matéria nele contida.

Entretanto, para surpresa de todos, o que se descobriu foi que a expansão, na verdade, ocorre cada vez mais rápido, ou seja, ela está se acelerando! Houve receio de que os dados obtidos pudessem estar sendo mal interpretados, mas outros sucessivos experimentos vieram confirmando as conclusões, até os dias de hoje.

Isto significa que alguma "coisa" está "empurrando" as outras coisas, ao invés de atrair, exercendo uma força gravitacional inversa (repulsiva) e fazendo com que as galáxias se afastem umas das outras cada vez mais rapidamente. Essa "coisa" é a energia escura, de natureza ainda desconhecida.

Além de explicar a expansão acelerada, a presença dessa energia também confirma o formato plano de nosso Universo. Os resultados da missão WMAP indicaram a citada planura e, ainda, que só poderia haver 24% de matéria escura.

Daí, se a matéria ordinária corresponde a 4,6% do todo, então restam 71,4%, dominados pela energia escura. A força repulsiva é imensa, provocando a aceleração da expansão.

A energia escura é uma constante cosmológica?

A energia escura compõe a ampla maioria do conteúdo total do Universo, mas nem sempre soube-se disso.

Einstein foi o primeiro a propor uma constante cosmológica, que inseriu em suas equações para garantir a veracidade de sua crença em um Universo eternamente estático.

Isto porque sua própria Teoria da Relatividade Geral, em sua forma mais simples (sem a constante), já previa que o Universo não poderia ser estático. Ele teria, necessariamente, que estar em expansão ou em contração.

Hoje, sabemos que ele está se expandindo, e cada vez mais rápido. A energia escura é a principal protagonista nesse processo.

Neste cenário, muitos cosmólogos defendem o retorno da constante cosmológica, mas desta vez como uma forma de explicar a taxa de expansão do Universo, ou seja, uma representação matemática para a energia escura.

Modernas teorias de campo associam a constante à densidade energética do vácuo (uma energia presente em todo o espaço aparentemente vazio).

A grande dificuldade é: para que essa densidade energética seja compatível com outras formas de matéria do Universo, são necessárias novas teorias físicas. A adição de uma constante cosmológica acarreta implicações profundas para a Física de Partículas e nossa atual compreensão sobre as forças fundamentais da natureza.

Mas é fato que o modelo padrão do Big Bang, com a inclusão da constante cosmológica, torna-se consistente com a distribuição observada de galáxias e aglomerados. A constante também combina com as medidas da sonda WMAP, efetivadas sobre a CMB, e com propriedades reveladas por raios X que emanam dos aglomerados.

Ou seja, o maior atrativo da constante cosmológica é que ela reforça a concordância entre a teoria e as observações. Outro exemplo notório disso são as pesquisas sobre as supernovas, já relatadas anteriormente.

Mais um grande ponto a favor: se essa constante atualmente afeta a densidade energética, então a idade estimada para o Universo é muito maior do que seria sem ela. Isto resolve o paradoxo de que o Universo possa ser mais jovem do que algumas das estrelas mais antigas.


★ Edição: Mauro Mauler - atualizada em 17/10/2023.

★ Bibliografia:

WMAP Science Team, "Cosmology: The Study of the Universe",
NASA's Wilkinson Microwave Anisotropy Probe, última atualização 06/06/2011,
https://map.gsfc.nasa.gov/universe/WMAP_Universe.pdf ou https://map.gsfc.nasa.gov/universe/

WEINBERG, Steven. Cosmology. Oxford: Oxford University Press, 2008 (Reimpressão 2018).

Remanescentes de supernova

Laço do Cisne

Nebulosa do Caranguejo

Remanescentes de supernova são restos de violentas explosões estelares. Nas fotos, temos dois exemplos, de cima para baixo: o Laço do Cisne e a Nebulosa do Caranguejo (imagens em raios-X).




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