Um "fantasmagórico" objeto

Em 16 de agosto último, a revista Astronomy & Astrophysics publicou o artigo científico "MeerKAT reveals a ghostly thermal radio ring towards the Galactic Centre". Traduzindo: MeerKAT revela um fantasmagórico anel termal de rádio na direção do Centro Galáctico.

O MeerKAT é um complexo radiotelescópio, configurado com 64 antenas, inaugurado na África do Sul em 2018, que fortuitamente captou o novo objeto cósmico, uma concentração de ondas de rádio contínua em formato aproximado de anel. Sua nomenclatura formal é J1802-3353, mas foi apelidado Kýklos (palavra grega que significa círculo).

As observações foram feitas em 4 e 5 de novembro de 2022, em duas faixas diferentes de frequência do espectro eletromagnético: banda L (856 - 1712 MHz) e UHF (544 - 1088 MHz). Cada sessão consistiu em uma exposição contínua de 5,5 horas, distribuídas em 6,5 horas, com o uso de 62 e 61 antenas, para banda L e UHF, respectivamente. A figura a seguir mostra os resultados:

O anel tem um diâmetro de ∼80'' (oitenta segundos) e está localizado a apenas ∼6^o (seis graus) do plano galáctico, medidas tomadas em unidades de arco, sendo a unidade principal o grau (°), subdividido em minutos (') e este, em segundos ('').

Kýklos aparece como uma estrutura tênue, por isso os pesquisadores a ele se referiram sugestivamente como "fantasmagórico". Nenhuma fonte central clara é detectada em nenhuma das bandas.

Ele somente pode ser "visto" por radioastronomia, pois parece não emitir nenhum outro tipo de radiação, a não ser as ondas de rádio. Logo, obviamente jamais poderemos enxergá-lo com nossa visão humana.

Entretanto, a área observada é pontilhada de múltiplas fontes de raios infravermelhos, a maioria delas de natureza desconhecida, mas que devem ter sua origem ao fundo, além de onde está nosso objeto.

O anel é fino, com uma espessura de ∼6'', conforme medido na imagem da banda L, e engrossa ligeiramente em direção à borda esquerda e para cima. Este efeito é particularmente evidente na imagem da banda UHF.

A figura também evidencia várias outras fontes compactas de rádio, espalhadas pelo campo observado (inclusive dentro do anel), que, provavelmente, não têm relação com o objeto em si, também devendo vir de uma região mais distante.

A estrutura do Kýklos é semelhante à de um ORC - Odd radio circle (literalmente, um estranho círculo de rádio). Como o próprio nome diz, trata-se de um tipo estranho de objeto celeste, de descoberta recente, cuja origem permanece, ainda, desconhecida.

Desde 2021, ano da primeira descoberta, uma quantidade significativa desses personagens celestes vem sendo encontrada. Kýklos, porém, exibe um espectro de rádio contínuo atípico, em relação a outros ORC's já analisados. Outro diferencial é a já citada pequena inclinação em relação ao plano galáctico, obtendo-se uma projeção muito próxima ao Centro Galáctico.

Apesar desses indicativos, uma grande e problemática incerteza impera sobre qualquer explicação sobre a natureza das emissões de rádio. Isto porque a fonte é bem fraca, e a cobertura de frequência das observações, muito limitada. Isto dificulta a obtenção de dados conclusivos.

Na verdade, até mesmo a real localização do objeto é incerta. Apesar de ser detectado quando o foco é direcionado para o centro da galáxia, ele pode estar próximo ou distante desse centro, e até, quem sabe, fora da Via Láctea.

Uma conclusão importante, a partir das pesquisas realizadas, é a de que se trata de um espectro térmico, ou seja, transmite calor. Embora pareça um ORC, suas especificidades levaram os cientistas à exploração de diferentes cenários possíveis para sua formação. As principais hipóteses são:

• Kýklos é um objeto extragaláctico (um OCR fora da Via Láctea);
• Kýklos é uma fonte nas imediações do centro da galáxia;
• Kýklos é uma remanescente de supernova;
• Kýklos é uma nebulosa planetária;
• Kýklos é a ejeção proveniente de uma antiga explosão em nova;
• Kýklos é o vestígio da perda de massa de uma estrela massiva;

Ainda não há como afirmar conclusivamente qualquer dessas hipóteses, devido a vários fatores limitantes, já citados, os quais dificultam a capacidade de resolução da questão da natureza de Kýklos.

Mas os cientistas têm um palpite, baseado em explanações que eles consideram mais convincentes: o objeto pode ser uma estrela Wolf-Rayet (WR), um tipo de estrela massiva e muito quente que vai perdendo rapidamente sua massa, a qual forma uma camada característica ao seu redor. Desta forma, as ondas de rádio emanariam de uma fonte no centro do anel.

Futuras observações de acompanhamento de vários comprimentos de onda serão essenciais para caracterizar completamente o anel, confirmando a hipótese da camada WR ou, talvez, revelando cenários mais intrigantes. Aguardemos as próximas notícias...