Galáxias do Conhecimento

Estruturas do Universo


seta esquerda     Página 7     seta direita

Transientes de raios X

Aparições incertas

Os dicionários definem "transiente" como algo impermanente, temporário, que some com o tempo. Algumas fontes de raios X existentes no espaço comportam-se exatamente desta maneira: elas surgem no céu por um curto período de tempo e então desaparecem.

Algumas delas eventualmente ressurgem - depois de anos ou décadas. A classe de fontes chamadas de transientes foi estabelecida para distingui-las das mais permanentes e estáveis fontes de raios X.

É importante observar que o objeto celeste não deixa de existir, ele simplesmente cessa a emissão dos raios. Há muitas razões para que essas estruturas tenham esse tipo de comportamento "agora você me vê, agora você não me vê".

Em nosso artigo anterior, sobre as variáveis cataclísmicas, vimos como, em tais sistemas, ocorre o fenômeno da acreção (uma estrela sugando matéria de sua companheira próxima). Acredita-se que mudanças repentinas na taxa de acreção de matéria no objeto compacto de um sistema binário estão por trás do comportamento de transiente.

As razões pelas quais se verificam súbitas e enormes variações na taxa de acreção são muito claras, do ponto de vista de alguns sistemas (pode ser um ciclo natural do comportamento da estrela normal), porém não muito evidentes em outros. Encontrar uma explicação consistente para todos os tipos de comportamento observados em transientes é uma área ativa da pesquisa astronômica.



Transientes x fontes altamente variáveis

Todas as estrelas apresentam variações de brilho em alguma escala - talvez a escala de tempo da evolução nuclear (de milhões a bilhões de anos), no decorrer do ciclo de vida da estrela, ou às vezes escalas muito menores (menos do que séculos).

Para a classe de estrelas que mudam seus brilhos em escalas de tempo menores, há duas subdivisões:

  • Variáveis Extrínsecas: incluem sistemas binários nos quais o brilho aparente é modulado por eclipses, devidos às interveniências da companheira em alguma nebulosidade intermediária. Tais sistemas já nos ajudaram a aprender sobre parâmetros astrofísicos fundamentais, como, por exemplo, os tamanhos e massas estelares.
  • Variáveis Intrínsecas: incluem estrelas que apresentam erupções, pulsações, expansões e contrações quase periódicas de seus envoltórios, acreção de massa por ejeção, combustões termonucleares explosivas (novas) e colapsos gravitacionais cataclísmicos (supernovas). O estudo desses objetos fornece conhecimento sobre estrutura, dinâmica e evolução estelar.

A própria natureza do processo de acreção em um sistema binário produz um elevado grau de variabilidade na quantidade de raios X produzida por um dado objeto em função do tempo. As escalas podem variar de milissegundos a anos.

Algumas das variações são regularmente espaçadas no tempo, como quando são causadas pelo período de rotação de um objeto em um binário, ou pelo período de revolução de uma estrela em torno da outra.

Outras modulações são do tipo quase periódicas, ou seja, elas ocorrem quase seguindo uma base regular, e podem ser o resultado de interações complicadas entre as estrelas e o disco de acreção, reverberando o objeto compacto.

Também ocorrem variações completamente aperiódicas, com ciclos de períodos aleatórios (randômicos). As causas podem ser súbitas variações nos ventos estelares da estrela normal ou repentinas ejeções de massa proveniente da mesma.

A diferenciação de objetos em categorias separadas, chamadas de "fortemente variáveis" e "transientes", é um pouco artificial e nem sempre há uma linha divisória clara. Entretanto, fenômenos físicos diferentes são considerados quando os astrônomos classificam os fenômenos como comportamento "fortemente variável" ou "transientes".


Estrela escondida

Transiente manifesta

Imagens em raios X de uma região de Andrômeda, obtidas pelo telescópio orbital ROSAT em momentos distintos. O círculo indica onde surge a RX J0045.4+4154, uma transiente de raios X recorrente.

Definição de transiente de raios X

Uma boa regra é referir-se a fontes como transientes quando seu comportamento apresenta as seguintes características:

  • Elas têm um incremento de intensidade muito rápido, seguido por um declínio gradual. Tipicamente, transientes atingem sua intensidade máxima em aproximadamente uma semana e declinam até tornarem-se indetectáveis em um mês ou dois.
  • A taxa de incremento da intensidade apresenta-se em um fator de 1.000 ou mais.
  • Em períodos de quietude, a fonte é indetectável para um nível de 10-12 erg/s/cm2, na faixa de 2 a 6 keV.

Um experimento suportado por foguete, em abril de 1967, encontrou uma fonte intensa de raios X na constelação do Centauro. Tal fonte não era captada até um ano antes, e as observações após abril evidenciaram um declínio regular e contínuo em sua luminosidade, até que ela desapareceu completamente em setembro.

A fonte foi denominada Centaurus X-2 e a definição de transiente foi associada ao seu comportamento. Dois anos depois, em 1969, outra fonte foi vista nos dados do satélite Vela 5B, a qual exibiu o mesmo comportamento do tipo "estou aqui versus não estou aqui".

Através da mid-1973, foi descoberta uma quantidade suficiente de fontes com características similares. Com isso, uma nova classificação de objetos celestes, as transientes de raios X, estava firmemente estabelecida na astronomia.


Período de uma transiente de raios X
Curva de luminosidade de dez anos da fonte transiente V0332+53, conforme vista pelo monitor de céu inteiro do Vela 5b. A fonte ficou muito brilhante em 1973 e não foi vista novamente até 1983.

A conceituação precisa deste fenômeno celeste passou por uma evolução significativa, desde o início dos anos 1970, principalmente devido ao contínuo incremento na sensitividade dos detectores e telescópios de raios X.

No início, a definição era fortemente baseada em observações, incluindo os seguintes critérios:

  • Uma transiente tinha que apresentar um rápido tempo de alcance do auge de sua luminosidade, na ordem de menos que uma semana, e um declínio gradual de aproximadamente 1 a 8 meses.
  • A relação entre o fluxo máximo de raios X e o mínimo teria que ser de 1.000:1 ou mais.
  • A fonte não poderia reaparecer em períodos menores que dois anos.

Atualmente, a definição é muito mais restritiva. Agora, uma fonte é definida como transiente se exibe períodos de emissões ampliadas de raios X que tipicamente não duram mais do que uma semana.

Mas isto não é representativo de todas as emissões usualmente observadas. As recorrências podem ser periódicas ou aperiódicas, mas não há uma correlação óbvia entre o tempo de recorrência e o "boom" de amplitude luminosa.


Duas classes de transientes

Transientes de raios X parecem dividir-se naturalmente em duas classes, dependendo se estão associadas a binários de alta ou de baixa massa.

Os binários de alta massa contêm duplas compostas de uma estrela de nêutrons ou buraco negro e uma estrela massiva (geralmente, com mais de cinco vezes a massa do Sol).

Frequentemente, a estrela companheira (ou secundária), que algumas vezes perde material de suas regiões equatoriais, é uma estrela Be, na classificação espectral*. Isto significa que emite raios X de mais alta energia no espectro.



Estrela Achernar

A *classificação espectral é baseada na análise das faixas de radiação emitidas pela estrela. No caso de uma estrela Be, tal análise revela emissões que se enquadram nas de mais alta energia do espectro de raios X.

A imagem é da estrela Be Achernar, que está a aproximadamente 144 anos-luz da Terra, cujo formato achatado deve-se à alta velocidade de sua rotação. [Fonte da imagem: File:Achernar.jpg, CC BY-SA 3.0, via Wikimedia Commons.]



Diferentemente dos binários de maior massa, um binário de baixa massa que emite raios X é formado por uma estrela de nêutrons ou buraco negro acompanhado de uma estrela fria e de pouca massa. Tal situação frequentemente gera raios de mais baixa energia.

Dinâmica de uma transiente

A questão é: qual a razão das súbitas e intensas mudanças na taxa de acreção da estrela de nêutrons (ou buraco negro) em um sistema binário? Para alguns casos, existem evidências conclusivas, para outros ainda não há muitas certezas.

Para que um binário seja um emissor de raios X, é necessário que haja alguma fonte de material que a estrela de nêutrons possa acrescer e, em binários de alta massa, a companheira Be é essa fonte.

Estrelas Be são conhecidas por exibirem um disco circunstelar (circunda a estrela) fortemente concentrado no plano equatorial. Além disso, elas ejetam repentinamente grandes bolhas de material dessa região, provavelmente porque giram em tão alta velocidade que estão sempre próximas de uma dissolução.

Ventos de uma estrela normal também podem prover material, especialmente nos binários mais massivos. Variações na densidade dos ventos, ou em sua velocidade, podem fazer com que uma estrela de nêutrons torne-se apta ou não apta a acrescer material, tendo em vista a existência de uma barreira centrífuga em torno de uma estrela de nêutrons em rápida rotação.

Esta barreira surge da interação entre o campo magnético da estrela de nêutrons, que direciona a acreção, e o material contido nos ventos. O campo magnético gira no mesmo ritmo que a estrela de nêutrons.

Se a taxa de acreção é pequena, o tamanho do campo aumenta. Se o campo magnético é grande o bastante, então a velocidade no limite externo do campo é maior do que a velocidade orbital do material nos ventos e, assim, essa matéria não pode penetrar o campo.

Consequentemente, a acreção direcionada à estrela de nêutrons é rompida e a produção de raios X é desligada. Mas pode ser reativada, caso a velocidade ou a densidade dos ventos aumentem, provocando uma redução de tamanho do campo magnético.

Desta forma, enquanto os ventos persistem, a emissão de raios X pode, alternadamente, ser ativada e desativada, gerando as grandes variações de luminosidade.

Quanto aos sistemas de pouca massa, o que acontece para mudar a taxa de acreção não é realmente muito claro, mas sabemos que alguma coisa precisa estar provocando as mudanças. Uma hipótese é que a acreção ocorre somente durante uma pequena parte da órbita binária, quando uma estrela penetra o Lóbulo de Roche* da outra estrela.


*O Lóbulo de Roche é uma região no entorno de uma estrela que faz parte de um sistema binário. Seu conteúdo fica vinculado à estrela, mas o material que ultrapassa os limites dessa região é sugado pela outra estrela do sistema.



Se esse sistema apresenta períodos orbitais muito longos, então as variações não são muito frequentes, e isto pode fazer com que a fonte mostre-se como uma transiente.

Ou talvez as variações ocorram somente após um longo período da órbita binária, durante o qual se realiza um processamento precedente, que cria todas as condições para a ocorrência da acreção mais intensa.

O modelo mais popular para as transientes de baixa massa tem a ver com a criação de uma instabilidade no disco de acreção.

Imagina-se que material pode ser silenciosamente acumulado no disco por algum tempo, até que haja massa suficiente para provocar instabilidade térmica, o que estimula o crescimento da taxa de acreção.


★ Edição: Mauro Mauler - atualizada em 15/04/2024.

★ Conteúdo parcialmente adaptado de:

NASA's Imagine the Universe


GOSTOU DO SITE? Compartilhe em suas redes sociais:

Facebook    Whatsapp






Cometa    SiteLock